O plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 16 de março o PL do Gás, que prevê a descentralização do mercado e mudanças no marco regulatório do setor. Esta foi a terceira votação do texto, que no dia 08 de abril foi sancionada presidente Jair Bolsonaro.
O projeto de lei havia passado pela Câmara em setembro do ano passado e pelo Senado no último mês de dezembro, quando foram introduzidas algumas emendas. O texto final, no entanto, rejeitou as emendas dos senadores e manteve o que havia sido acordado com a Comissão de Minas e Energia.
A expectativa é que a nova lei aumente a competitividade no setor e barateie os preços, assim como ocorreu com a eletricidade no Mercado Livre de Energia. Porém, antes de nos debruçarmos sobre as oportunidades criadas pelo novo marco do gás, vamos entender como chegamos até aqui.
O que é o PL do Gás?
O PL do Gás é o projeto de lei 4.476 de 2020, popularmente conhecido como nova lei do gás. A proposta, de autoria do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP), tramita na Câmara desde 2013.
Para obter mais detalhes sobre cada etapa desses trâmites, confira os seguintes conteúdos disponibilizados pelo site Poder 360:
- Texto final aprovado pelos deputados
- Emendas rejeitadas dos senadores
- Parecer do relator do PL do Gás, o deputado Laercio Oliveira (PP-SE)
O texto final prevê medidas para fomentar a indústria de gás natural por meio do incentivo à entrada de empresas privadas no setor. Seu principal foco são mudanças na forma de contratação para quebrar o monopólio da Petrobras.
Vale lembrar que esse monopólio não foi estabelecido por lei e que a própria estatal já começou a adotar medidas para rompê-lo. O PL do Gás, por sua vez, oferece mecanismos para acelerar a transformação do modelo atual do mercado.
Como funciona o mercado do gás atualmente?
De acordo com o boletim mensal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil produziu 136 milhões de metros cúbicos de gás por dia em janeiro de 2021. A maior parte desse volume é de gás associado, que se encontra dissolvido no petróleo ou sob a forma de uma capa gasosa.
Mais da metade dessa produção é consumida pela indústria, que é seguida no ranking pela geração de energia elétrica e pelo uso como combustível de automóveis. Já o uso residencial e em estabelecimentos comerciais não ultrapassa 5% do consumo total.
Segundo o governo federal, até 2019, além de ser responsável por quase 80% da produção, a Petrobras era sócia de 19 das 27 distribuidoras do país. Dessa forma, a estatal operava quase 100% da infraestrutura e controlava toda a malha de transporte, com participação em todos os dutos.
Esse cenário começou a mudar em 2019, quando a Petrobras vendeu parte das suas ações na BR Distribuidora e ficou com menos de 50%, o que significou a privatização da subsidiária. Em 2020, dando continuidade ao plano de desinvestimento, a estatal aprovou a venda total das ações.
Essas mudanças já bastariam para chacoalhar o mercado do gás no Brasil. Mas, com o envio do projeto de lei 4476 para a sanção presidencial, a perspectiva é de impactos ainda mais significativos.
O que muda com o PL do Gás?
Essas são as principais mudanças previstas no PL do Gás:
- As empresas detentoras de gasodutos e unidades de processamento serão obrigadas a permitir que agentes privados tenham acesso a essa infraestrutura, uma vez que não faz sentido construir dutos concorrentes para atender a um mesmo mercado;
- Essa garantia de acesso também inclui os terminais de GNL (gás natural liquefeito);
- O acesso a esses equipamentos será feito por meio de cobrança e os proprietários terão preferência na utilização;
- As tarifas de transporte de gás natural serão propostas pelo transportador e aprovadas pela ANP após consulta pública;
- As empresas de transporte de gás precisarão apenas de autorização da ANP, não sendo mais necessária uma concessão;
- Empresas de transporte e distribuição não poderão ter participação societária, mesmo que indireta, em empresas que atuam em outros elos da cadeia, como exploração, produção e carregamento;
- A ANP poderá também promover medidas para obrigar as empresas a ofertar gás natural para estimular a concorrência e classificar dutos como de transporte dentro de condições pré-estabelecidas;
- A comercialização de gás será feita por meio de contratos registrados na ANP ou em entidades habilitadas, com exceção da venda pelas distribuidoras de gás canalizado aos seus consumidores cativos;
- O consumidor livre, o autoprodutor ou o autoimportador que não tiverem as necessidades atendidas pela distribuidora poderão construir e implantar instalações e dutos para seu uso específico por meio de contrato que atribua a operação e a manutenção à distribuidora.
PL do Gás e o Mercado Livre
Ao ler os últimos dois pontos do tópico anterior, é provável que você tenha pensado em ACR e ACL, os ambientes de contratação regulada e livre do mercado de energia elétrica. De fato, o PL do gás também faz distinção entre dois tipos de consumidor:
- Consumidor cativo: é atendido pela distribuidora local de gás canalizado por meio de comercialização e movimentação de gás natural.
- Consumidor livre: tem a opção de, nos termos da legislação estadual, adquirir o gás natural de qualquer agente que realiza a atividade de comercialização.
Será que o novo marco do gás deixará o setor com o mesmo potencial de crescimento do Mercado Livre de Energia? Alguns dados coletados recentemente dão uma indicação dos efeitos positivos dessas mudanças.
De acordo com a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), em um cenário de competitividade, o custo do gás para indústria e transportes cairia quase 40% até 2028. Outros impactos seriam o aumento de R$ 63 bilhões no fluxo anual de investimentos e a geração de 4,3 milhões de empregos.
No gráfico abaixo, é possível ver como a abertura do mercado de gás impactaria no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, com um ganho bem acima do previsto até 2028:

Embora o cenário seja promissor, é bom lembrar que ainda existem alguns desafios. Um deles é o fato de que o PL do Gás não prevê a obrigatoriedade de explorar o gás brasileiro, fazendo com que a importação seja beneficiada no atual cenário em que os preços no mercado internacional estão mais baixos.
Além disso, a infraestrutura existente pertence à Petrobras que, caso aumente sua produção, pode precisar de toda a rede para transportar seu gás, obrigando as empresas privadas a procurar outras opções. A questão é que a implantação de gasodutos é cara e a iniciativa privada não terá interesse em construí-los se não houver demanda.
Por isso, o incentivo à demanda deve ser prioridade na construção de um novo mercado do gás, segundo disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Augusto Salomon, em entrevista à agência epbr:
“O principal desafio é acelerar, com regras claras, esse processo de transição na oferta de gás natural — de um único agente dominante no suprimento para uma situação ideal, com ampla concorrência na oferta da molécula de gás nos citygates (pontos de entrega)”.
Após a tão esperada aprovação do PL do Gás, o momento é de esperar os próximos movimentos dos principais atores do setor e ficar de olho nas oportunidades criadas a partir de agora. Para continuar por dentro dos acontecimentos, continue ligado aqui no blog da Esfera Energia.